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Ao perder esposa para a covid, Anderson só sobreviveu ao trocar luto pela "bike terapia"

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O ano de 2021 trouxe a notícia que mudaria para sempre a vida de Anderson Guilherme Correa, 34 anos. O atendente social viu os dias ao lado da sua alma gêmea Grazielly Ricardi, professora da rede estadual de ensino, serem interrompidos abruptamente pela doença pandêmica. Vítima da covid-19, Grazi se despediu do seu amor e da própria vida, deixando para trás planos conjuntos – agora solitários nas mãos do marido.

Internada desde fevereiro, acabou que a jovem de 31 anos não sobreviveu para continuar sua história ao lado de Anderson.

"Quando perdi a Grazi, minha vida simplesmente desabou. Fiquei sem chão, não tinha rumo algum, só queria deixar de existir por não conseguir aceitar tudo o que estava acontecendo. Minha vida só fazia sentido com ela, pois não sou natural daqui, não tenho familiares – só tinha ela. E sem ela fiquei. Nisso vieram as crises de ansiedades. A síndrome do pânico começou a me atacar à noite, e a cama se transformou em uma máquina de insônia", conta.

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Porém, o mesmo 2021 que trouxe a notícia de morte deu um jeitinho de também promover a vida. A salvação que Anderson precisava, para se desprender do luto e continuar a ter motivação de viver – sem jamais esquecer da sua amada, é claro –, veio em cima da bicicleta. "O pedal me libertou. Detalhe que no fim de março, semanas após o ocorrido, eu havia ganho uma bicicleta. Engraçado essa coincidência, não é?", diz.

Ao voltar a trabalhar, suas colegas viram seu estado depressivo e resolveram convidar Anderson para uma sessão de bike, isto é, sair por aí pedalando.

"No começo eu nem dei bola pois estava muito triste, sem falar sedentário, mas elas insistiram. Eu fui, meio que a contragosto, e acabou sendo surreal. O sentimento de liberdade que tive foi maravilhoso. Lembro que estava há dias sem dormir, às vezes só conseguia com ajuda de remédio pois passava noites em claro. Depois daquela experiência, o sono melhorou, minhas crises de ansiedade diminuíram até desaparecerem por completo com minha rotina atual no pedal. Fui começando a ter mais disposição e ter vontade de ir mais longe. Principalmente, de voltar a viver", admite.

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Nem todos os percursos foram fáceis. "Teve dias que eu me encontrava completamente desanimado, mas meus amigos não desistiram de mim e fizeram de tudo para eu ceder. São pessoas como a Raynne, Silmara, Gisele e Rafael – do meu trabalho –, além das pedaleiras Meiri e Ana Paula, que me estenderam a mão e me tiraram do fundo do poço. Serei eternamente grato a todos", reconhece.

Retribuição – Anderson pode recompensar a ajuda que recebeu fazendo o mesmo com uma outra amiga, isto é, promovendo uma corrente do bem. "Thainara me relatou que estava ansiosa e se sentindo 'deprê'. A convidei para participar no pedal comigo e aceitou. Ela nem tinha bike, mas ficou com aquilo na cabeça e resolveu se superar. Hoje ela é minha parceira no ciclismo, e não me cansa de dizer que o esporte foi sua salvação. E salva mesmo", confirma.

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Dos primeiros 17 quilômetros da sua casa até a UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), ou dos 30 quilômetros até a subestação de Anastácio (saída para Nioaque), além do percurso na Serra de Maracaju até o Morro do Paxixi, no distrito de Camisão, Anderson já fez de tudo um pouco. Às vezes sozinho, outras acompanhado, mas nunca deixando a prática de lado. "Nessa 'brincadeira', pude ganhar saúde e perder quilos extras. No total foram 9", detalha.

Atualmente, Anderson trocou a primeira "bicicletinha" por uma bike mais "profissa", com amortecedor e tudo, além de novos acessórios mais adequados à prática, como joelheiras e cotoveleiras, capacete, luvas, sinalizadores e faróis de LED.

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Nesta sexta-feira, 4 de junho, completa 3 meses que Grazi se foi. Porém, também é a data que o rapaz viu o luto dar lugar à "bike terapia".

"Só tenho um pedido a fazer: pessoal, vamos ser mais pacientes com os ciclistas, respeitar os colegas de pedal. No trânsito, nós também pensamos em voltar para casa são e salvos. Já basta a covid que trouxe muitas vidas perdidas e sofrimentos, como aconteceu com minha esposa. Não precisamos de mais mortes por acidentes evitáveis. Desejo paz no trânsito e mais amor no coração", finaliza.